Parcelamento sem juros é vital para o comércio

 

Por Roberto Mateus Ordine*

Em abril deste ano, os grandes bancos iniciaram uma discussão sobre a possibilidade de colocar um fim no parcelamento sem juros, uma modalidade de negócio muito praticada no setor de varejo. Para os bancos, essa seria uma forma de combater as altas taxas de juros, especialmente àquelas aplicadas à rotatividade do cartão. O setor financeiro afirma não ter como separar uma coisa da outra. “Quando se fala do custo do cartão de crédito, não dá para dissociar do parcelado sem juros”, afirmou à época.

Desde então, estamos alertas para a evolução desse pensamento, por isso não ficamos surpresos que o assunto tenha voltado à discussão pública, por meio do Banco Central, nos últimos dias. Acontece que os bancos ainda não pararam para ouvir àqueles que estão do lado de cá do balcão.

O consumidor e o comerciante são agentes dotados de direitos. A Constituição Federal, em seu Artigo 170 – Capítulo I, garante a livre iniciativa e a livre concorrência dentro da ordem econômica. Entendemos que nossa Carta Magna não admite a intervenção do Estado na iniciativa privada das empresas. O comerciante que deseja arriscar seu capital em um acordo comercial parcelado, sem juros, tem total direito de fazê-lo, apostando assim na fidelização do cliente, na facilidade de pagamento e na oferta que se sobressai à concorrência.

Ao contrário das grandes redes varejistas, que conseguem oferecer até 30 meses de parcelamento, o pequeno e médio empresário não tem consistente capital de suporte ou um banco/financeira que sustente essa demanda. Para as Pequenas e Médias Empresas (PMEs), o parcelamento de compras feitas no cartão é pequeno, em geral com no máximo 10 parcelas. Para estes, a impossibilidade de negociar nesses termos impactará e muito os seus negócios, haja vista, o momento de um mercado que ainda tenta recuperar-se da crise dos últimos anos, ocasionada pela pandemia da Covid-19 e pela guerra da Ucrânia.

Vale pontuar também que o pouco crédito que surge desses parcelamentos movimenta um mercado de fintechs e de empresas de antecipação de recebíveis. Ao mesmo tempo, permite com que o pequeno comerciante continue negociando com aquele cliente de baixa renda, que em aspecto geral, se mantém fiel aos seus compromissos financeiros e, muito raramente, entra em inadimplência, palavra essa que soa como pesadelo para os bancos.
Hoje o ganho das pessoas é menor do que há dez anos. O nível salarial também está menor. O trabalhador parcela suas compras dentro de sua capacidade de pagamento, assim, o parcelamento sem juros funciona como um bom senso entre comprador e vendedor, diante do cenário econômico em que vivemos.

As compras com cartão de crédito representam 60% das transações do comércio. Um recente levantamento do Datafolha mostrou que 80% dos consumidores baseiam sua decisão de compra por estabelecimentos que possibilitem parcelar sem juros. Ou seja, o parcelamento sem juros é vital para o comércio, especialmente aos pequenos e médios estabelecimentos.

A Associação Comercial de São Paulo defende os interesses das pequenas e médias empresas. Entendemos que os grandes bancos são parceiros estratégicos para as PMEs, podendo oferecer crédito e linhas de financiamento, fluxo de caixa e outras soluções financeiras. Defendemos que essa parceria precisa ser constante. Um ataque ao parcelamento sem juros impactará diretamente a economia, aumentando o custo do crédito em até 35%, o que poderá abalar, inclusive, a relação entre o varejo e as organizações financeiras.

Continuaremos atentos a essa discussão e seu impacto na vida do cidadão brasileiro.

*Roberto Mateus Ordine é presidente da Associação Comercial de São Paulo