Cianorte – Uma distinta senhora de 69 anos

Era uma vez uma menina que mal tinha entrado na adolescência e que o destino escolheu Cianorte, uma cidade que brotava da mata, para viver. A perplexidade de estar sendo testemunha do nascimento de uma cidade lhe encantava o coração e a alma. Não são todas as pessoas que tem o privilégio de ser testemunha da história.

Acordava de manhã com o barulho das serras que, impiedosamente, derrubavam árvores centenárias, espantando os animais silvestres para dentro da mata. O barulho das serras sempre lhe soava como uma grande lamentação, mas resignava-se à entrada cogente do progresso. Saía aos domingos, livre, solta e inocente, entrando pelas matas ao redor para colher jabuticabas selvagens maduras, doces como mel. De vez em quando ia brincar na águas dos riachos límpidos que cortavam o sítio da cidade que nascia. Muitas vezes era surpreendida em seu próprio quintal por animais silvestres, que buscavam alimentos uma vez que lhe haviam roubado o seu habitat natural. Nos fins de semana assistia algum filme no velho Cine Ópera, cujas imagens saíam meio tremidas daquela engenhoca que era a máquina de filmar. Por falta de lugares trazia a sua própria cadeira de casa para não ficar sem assento. Cercada pela mãe, pelos irmãos, pelos tios, pelos pais e avós era uma menina feliz.

Cada casa que se erguia, ia deixando centenas de espécies nativas para trás. Os troncos das árvores derrubadas jaziam no meio das avenidas, jogados à própria sorte, esperando que o tempo pudesse deteriorá-los. Sentava com seus irmãos e com suas amigas nestes restos vegetais, perobas de dezenas de anos de vida, e se deixavam ficar ali conversando banalidades, apreciando o calor da tarde, no meio do burburinho das pessoas que chegavam à cidade para ficar de vez. Pessoas cheias de esperança e vontade de vencer.

As casas apareciam do dia para noite. Naquele lugar vazio de ontem, de repente se instalava um açougue modesto, no fundo das casas era cultivada uma horta, um armazém de secos e molhados servia a população pioneira. As ruas eram um imenso areal, onde os pés afundavam com sapato e a areia fina machucava os dedos e sola dos pés. Um alto-falante erguido bem no centro da pequena cidade anunciava para todos que estava chegando mais um caminhão de mudança e anunciava também os novos acontecimentos, com propaganda das pequenas casas comerciais da cidade. Tocava músicas de Francisco Alves e às dezoito horas, no cair da tarde, ressoava pelo ar as notas musicais da Ave Maria, a hora do Ângelus. Alguém ficava doente, todos socorriam, era uma população solidária. A menina apreciava esta solidariedade incomum em outros lugares e lá ia para rodoviária velha de madeira da Praça 26 de Julho receber algum parente que vinha de jardineira. Os jeeps estavam sempre à disposição para fazer alguma corrida pelo imenso território da cidade.

Assim, se vivia, rezando nas casas, porque a igrejinha era apenas um projeto; da amizade, porque ela era incondicional; todos precisam de todos para sobreviver naqueles primeiros tempos.

Esta bela Cianorte, hoje uma distinta senhora de 54 anos foi a cidade que a menina viu nascer e tem imenso orgulho de ser uma construtora da sua história.

Izaura Aparecida Tomaroli Varella

Cidadã Benemérita de Cianorte