A Primeira Carta de Pedro
Mario Eugenio Saturno
Em artigo anterior, tratei das Cartas de Pedro, do debate sobre a autoria e coautoria e alguns aspectos da Primeira Carta. Essa carta de Pedro dirige-se às comunidades do norte da Ásia Menor (onde, hoje, é a Turquia): Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos que são estrangeiros e estão espalhados no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (1 Pd 1). Embora não haja qualquer referência que Pedro tivesse evangelizado na Ásia Menor.
Essas comunidades eram compostas de colonos assentados pelo Império Romano, gregos e outros povos, convertidos do paganismo (1 Pd 4,3: baste-vos que no tempo passado tenhais vivido segundo os caprichos dos pagãos), além de alguns judeus e sírios que sempre se encontravam nas cidades comerciais.
É uma carta para estrangeiros, conforme vemos (1Pd 2,11-12): Caríssimos, rogo-vos que, como estrangeiros e peregrinos… Essas duas palavras em grego também descrevem a situação dessas pessoas. Estrangeiros (paroikois), significa estrangeiros residentes, que tinham o direito de residência, porém, não de cidadania. Já peregrinos (parepidemois) significa estrangeiros sem direito a residência. Estes não possuíam qualquer direito. Provavelmente, parte da comunidade estava nessa condição social.
A carta usa os termos que lembram os israelitas do Antigo Testamento como migrantes ou estrangeiros no Egito e na Babilônia, e os “estrangeiros residentes” (com deveres, mas sem direitos) das cidades do Império Romano. Talvez esta tenha até sido a realidade sociológica desses cristãos, certamente é a experiência da fé diante de um mundo estranho ao projeto de Jesus.
A Carta mostra que cristãos eram perseguidos e podemos identificar três tipos de perseguição no Novo Testamento, os romanos como agentes de perseguição (1Pd 2,13-14), os judeus como provocadores de perseguição (as primeiras perseguições foram obra dos judeus, por motivos religiosos: como a morte de Estevão por apedrejamento (At 7,58-60); e Tiago por espada (At 12,1-3, “irmão do Senhor”, e da população local, os preconceitos surgiram à medida que os cristãos se mostravam diferentes dos demais (1Pd 4,3-4). Essa perseguição parou após o ano 70 com a destruição de Jerusalém e do Tempo. E a perseguição da população local.
A Carta está cheia de referências que indicam perseguição: mesmo falando mal de vocês como se fossem malfeitores (1Pd 2,12). Sofrem por causa da justiça (1Pd 3,14). Quando vocês forem difamados (1Pd 4,14). Aqueles que criticam o comportamento de vocês (1Pd 2,12). Se alguém sofre como cristão (1Pd 4,16). Essa mesma espécie de sofrimento atinge os seus irmãos espalhados pelo mundo (1Pd 5,9). Os outros estranham que vocês não se entreguem à mesma torrente de perdição (1Pd 4,4).
O confronto é inevitável, pois a religião cristã apresentava-se como a única verdadeira, de um Deus único, algo estranho e diferente para a época. Isso implicava em abandonar os deuses da sociedade (causando prejuízo a muitos como aos que viviam da fabricação de ídolos (1 At 19, 23ss), na rejeição da competência do Estado em questões religiosas e na rejeição do imperador como deus, algo perigoso.
Mario Eugenio Saturno (cientecfan.blogspot. com) é Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano