Cruzeiro do Oeste: o berçário de espécies de 85 milhões de anos
Se você é daquelas pessoas desacreditadas na existência dos dinossauros, há milhões de anos, agora pode verificar com os próprios olhos as provas de suas andanças no planeta. E mais perto do que imagina. Após tantas descobertas, o município de Cruzeiro do Oeste acaba de ter aprovado pelo Senado, um projeto de Lei o garantindo como o Vale Nacional dos Dinossauros. E o título não vem à toa. Lá, além de serem encontradas três espécies de pterossauros, também foram comprovados fósseis de um lagarto e dois dinossauros. Um deles sendo o primeiro do Paraná. Todos pertencentes ao cretáceo, ou seja, entre 85 e 100 milhões de anos.
Os achados tiveram início em 1971, depois que o agricultor Alexandre Gustavo Dobruski, cavando valas para escoar a água da chuva, verificou que ali, os materiais brancos espalhados pela estrada poderiam ser ossos fossilizados. Acabou sendo chamado na época de maluco, e a descoberta ficou adormecida. No entanto, anos depois, em 1975, um sobrinho dele de Ponta Grossa, Dionísio, o visitando na cidade, soube do caso. E foi até o local. Retirou um bloco e levou até a Universidade Estadual de sua cidade, a UEPG.
Mesmo contendo diversos fósseis, o bloco ficou esquecido numa das gavetas da instituição até 2012. Naquele ano, o geólogo Paulo Cesar Manzig buscava as últimas informações ao seu livro, “Museus e Fósseis da Região Sul do Brasil”, quando se deparou com o bloco de Cruzeiro do Oeste. Espantado com o achado, decidiu visitar o local. A partir daí, as pesquisas nunca mais pararam. Era o início de tudo. E que passaria a transformar o pequeno município num verdadeiro campo de escavações.
Informado, agora oficialmente, que se tratavam de fósseis, o município desviou a estrada. E ali demarcou o Sítio de Paleontologia de Cruzeiro do Oeste. A partir de 2013, a cidade começou a atrair pesquisadores de todo canto. Hoje, são 15 universidades parceiras das pesquisas. Um ano depois, já em 2014, a cidade teve a sua primeira publicação científica na Revista Nature. Estava comprovada a existência do Caiuajara dobruskii. Um pterossauro de aproximadamente 12 quilos e 90 centímetros de altura. E, por ser até então inédito, levou o sobrenome do visionário agricultor, o responsável por tudo.
Agora inserida no cenário mundial de paleontologia, Cruzeiro do Oeste passou a evidenciar novos achados. Foram mais dois pterossauros: Keresdrakon vilsoni e Torukjara bandeirae. Assim como a arcada de um lagarto de 18 centímetros, Gueragama sulamericana. Além de dois dinossauros: Vespersaurus paranaensis, de um metro de altura, sendo o primeiro encontrado no Paraná, e Berthasaura leopoldinae.
Se um só achado já era importante, imagine então seis. Hoje, a cidade está inserida como um dos locais mais importantes do planeta na escavação de fósseis. E por ter uma diversidade tão grande, não se afasta a possibilidade de serem encontrados ovos, já que ali, tudo indica ser uma espécie de berçário.
Cruzeiro do Oeste: deserto
Acredita-se que o município de Cruzeiro do Oeste, há milhões de anos, se resumia a um grande deserto, constatado pelo solo atual, formado pelo arenito caiuá. No entanto, ali também era o berçário de uma grande concentração de animais, principalmente em decorrência de um afundamento geológico no terreno. Caracterizado por uma espécie de oásis. “Podemos dizer, sem medo de errar, que aqui, há milhões de anos, era um berçário. Uma celebração da vida”, disse Vanda Bueno, Diretora do Museu de Paleontologia de Cruzeiro do Oeste.
Para ela, todas as espécies já encontradas ali não morreram em virtude da colisão de um meteoro contra a Terra. Morreram antes. “Acreditamos que uma grande tempestade de areia seja o motivo que os dizimou. Antes mesmo da colisão do meteoro”, explicou.
Cidade dos dinossauros
Com a relevância dos achados, não só no Brasil, mas no mundo, Cruzeiro do Oeste passou a ser conhecida como a cidade dos dinossauros. O reconhecimento foi consolidado em 2020, depois que o governo do Paraná oficializou o título. A fama e a importância das pesquisas também levou o Senado Federal a reforçar a honraria, agora como o Vale Nacional dos Dinossauros. O Projeto de Lei já foi aprovado. Falta apenas a sanção presidencial.
Na cidade, por anda se anda, lá está a figura de um dinossauro ou um pterossauro. Recentemente, uma praça foi revitalizada. Mas ao invés de bustos, o que se vê são os bichos do passado. E não demorou para que o comércio alavancasse a onda. Donos da panificadora Real, Tatiana e Rafael lançaram, ainda em 2021, um pastel com formato de um pterossauro. O sucesso foi tanto que agora já pode ser feito com quatro sabores. “Nossa intenção era desenvolver um produto turístico. E eis que surgiu a ideia”, disse Tatiana.
Pegando o gancho temático, a professora Aline Nacibem, ao lado do geólogo Paulo Cesar Manzig, também produziram dois livros didáticos sobre os achados: “Aventuras no Museu de Paleontologia” e “Guera e Bertha, o Lagartinho e o Dinossauro”. Com linguagem voltada às crianças, a obra traduz todo o processo da descoberta, orientando ainda, a importância dos achados. “A ideia é que as crianças passem a entender de modo fácil tudo o que temos aqui”, explicou Aline.
Desenvolvimento turístico
Com a faca e o bolo na mão, a secretária de Desenvolvimento Econômico, Turismo, Ciências e Tecnologia de Cruzeiro do Oeste, Franciele Carvalho, diz que a propulsão turística do município será inevitável. Segundo ela, uma rede de hotéis já iniciou os trabalhos para a construção de uma unidade. “Também já vemos alguns restaurantes ampliando sua estrutura. É o momento de reestruturar a cidade para receber cada vez melhor os turistas”, disse.
Daniel Alves Costa, 41, mora em Paranavaí. Na última quinta feira, deixou os afazeres de suas duas padarias para andar 120 km e levar a esposa e os dois filhos para conhecer o museu de Cruzeiro do Oeste. “Como pai, tenho a obrigação de mostrar coisas interessantes aos meus filhos. A viagem até aqui valeu muito. É muito bacana poder ver fósseis de milhões de anos”, disse.
Assim como Daniel, cerca de 700 pessoas ao mês visitam o Museu de Paleontologia de Cruzeiro do Oeste. Construído em 2019, ele é composto por um auditório, onde os visitantes assistem a um vídeo contando a história dos achados. Ali também possuem réplicas das espécies encontradas, assim como o habitat de como viviam. Salas também mostram rochas, livros e, sobretudo, blocos contendo fósseis ali escavados. A bem da verdade, uma verdadeira caixa de surpresas aos visitantes. Um tesouro sem precedentes.
Neurídes Martins, Diretora de Pesquisas do museu, é também uma das que ajuda na visita ao local. Além de colaborar com explicações, ela é, possivelmente, a responsável por descobrir a existência do primeiro dinossauro do Paraná. Estudando fósseis de pterossauros, acabou identificando vestígios diferentes, maiores. A partir daí, baseada em pesquisas e outras referências, descobriu algo inédito no estado: o Vespersaurus paranaensis.
“Foi uma descoberta inacreditável. Isso acabou me motivando a nunca mais parar com as pesquisas. Sabemos que podemos identificar outras espécies aqui. Por isso, temos muito trabalho pela frente”, revelou.
Até pouco tempo, parte dos levantamentos poderiam ser realizados em outras instituições. Ou seja, blocos poderiam ser levados a outras cidades e, lá, estudados. No entanto, para preservar todo o acervo, uma lei municipal prevê agora que todo o estudo seja obrigatoriamente feito no município. Para isso, um laboratório foi construído na cidade, oferecendo condições a todos os pesquisadores que vêm de outras universidades.
Hoje, Cruzeiro do Oeste mantém uma população de aproximadamente 23 mil pessoas. Com a temática dos dinossauros, a abertura do turismo irradia muitas possibilidades. E com elas, novas oportunidades de emprego e renda. “Acredito que nos próximos anos teremos um aumento de população. E isso, em decorrência do turismo, já que entramos no cenário mundial da paleontologia”, disse Carvalho.