O crescimento das fintechs latino-americanas e a democratização financeira

Por Ricardo Anhesini

O mercado de startups de finanças (fintechs) na América Latina está aquecido e este ano será um grande momento para essas empresas aproveitarem oportunidades, graças aos potenciais significativos de geração de valor para empresas suficientemente ousadas. Esperamos que as tendências de crescimento continuem, com os valores dos negócios pelo menos dobrando.

Vale lembrar, que no ano passado foi registrado um crescimento estratosférico de 150% nos investimentos nesses tipos de empresas na América Latina. E isso, certamente, surpreendeu até os mais otimistas. Foram 5 bilhões de dólares, em 120 negócios, resultado superior aos 2 bilhões de dólares e 82 negócios realizados em 2020. Por exemplo, os níveis de investimento no México, em 2021, corresponderam ao que se havia projetado para o acumulado dos próximos cinco anos.

Por aqui no Brasil, que pode ser considerado o maior mercado de fintechs do continente, esse setor também registrou ganhos com um negócio entrando na lista dos Top 10 para todas as Américas. A captação de 1,15 bilhão de dólares pelo Nubank que, atualmente, possui cerca de 40 milhões de clientes. A oferta pública de ações (da sigla em inglês IPO), em dezembro do ano passado, atingiu cerca de 41 bilhões de dólares.

Países como Argentina, Colômbia e Chile também estão registrando movimentos crescentes de investimento e atividades envolvendo fintechs. O número de unicórnios (empresas com avaliação superior a 1 bilhão de dólares), por exemplo, triplicou, totalizando 15 em toda a região.

Há, então, diversos fatores por trás desses números impressionantes. Primeiramente, o impacto inevitável da pandemia da covid-19. Estima-se que 10,8 milhões de latino-americanos fizeram a primeira compra online durante os períodos de quarentena. É importante destacar que as ofertas de bancos digitais também dispararam, já que eles entraram na moda.

Em segundo lugar, esse crescimento foi impulsionado pela política regulatória. Reguladores e bancos centrais estão determinados a aumentar os níveis de inclusão financeira num continente em que 60% ou mais dos habitantes podem não ter acesso aos serviços dessas instituições. Ao mesmo tempo, as regulamentações proporcionaram mais certeza e confiança ao sistema. Outras condições de mercado como o interesse crescente por fusões envolvendo empresas de aquisição de propósito específico (da sigla em inglês SPACs) e por criptomoedas e blockchain também contribuíram.

Em terceiro lugar, assim como os reguladores querem aumentar essa inclusão, as fintechs definiram com mais clareza os mercados que desejam alcançar e esses objetivos foram dirigidos para nichos sem tanto foco dos bancos tradicionais. Isso inclui recém-formados e jovens no primeiro emprego, trabalhadores informais ou ocasionais e aqueles que podem não ter um histórico de crédito. As pequenas empresas também são um alvo importante, pela oferta da possibilidade de receberem pagamentos digitalmente.

Os serviços de pagamento e de banco digital tornaram-se, portanto, as linhas de negócios dominantes na maioria dos países, seguidos por crédito. Em muitos casos, as taxas que as fintechs oferecem em produtos como empréstimos e cartões de crédito são significativamente mais competitivas do que as de entidades mais tradicionais. Elas também estão democratizando o acesso aos produtos e serviços financeiros. Além disso, houve crescimento das insurtechs (startups de tecnologia ligadas ao setor de seguros), possibilitando que as pessoas tenham apenas a cobertura do que precisam em um menu flexível de opções.

Essa democratização da oferta de serviços está mais avançada no Brasil e tende a ser uma constante. Com as ofertas de pagamentos e banco digital das fintechs relativamente maduras, a próxima onda relevante provavelmente será na gestão de ativos. Há várias grandes plataformas que, provavelmente, tornarão o investimento e a poupança para a aposentadoria, além de outras necessidades de longo prazo, disponíveis para aqueles com níveis mais baixos de capital.

Ricardo Anhesini é sócio-líder de serviços financeiros da KPMG na América do Sul.