VOU-ME EMBORA PRÁ PASÁRGADA
Vou-me embora prá Pasárgada, lá sou o amigo do rei, lá tenho a mulher que eu quero, na cama que escolherei. Vou-me embora prá Pasárgada, aqui eu não sou feliz, lá a existência é uma aventura, de tal modo inconsequente, que Joana a Louca da Espanha, rainha falsa e demente, vem a ser a contraparente da nora que nunca tive. E como farei ginástica, andarei de bicicleta, montarei em burro brabo, subirei no pau- de-sebo, tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado deito na beira do rio, mando chamar a Mãe d’Água, para me contar histórias que no tempo de eu menino, Rosa vinha me contar. Vou-me embora prá Pasárgada. Em Pasárgada tem tudo é outra civilização, tem um processo seguro de impedir a concepção, tem telefone automático, tem alcaloide à vontade, tem prostitutas bonitas para a gente namorar. E quando eu estiver mais triste, mas triste de não ter jeito, quando de noite me der vontade de me matar – Lá sou amigo do rei – Terei a mulher que quero na cama que escolherei. Vou-me embora prá Pasárgada! (Manuel Bandeira)
Manuel Bandeira foi um poeta brasileiro que resumiu neste poema toda a sua insatisfação diante do mundo que vivia. Estava com tuberculose e estava privado de exercícios físicos, sentia-se aprisionado e o poema revela o seu escapismo da realidade que vivia; pelo poema ele conseguia fugir do seu dia a dia frustrante, doloroso, limitado aos seus desejos eróticos em razão da doença. Graças a Deus, não estou doente, continuo cheia de vida, feliz com minha família e meus amigos, mas, profundamente, infeliz com o meu país, este Brasil que aprendi a amar desde criança.
Eu também quero ir embora prá Pasárgada, lá não serei a filha do rei, mas serei uma cidadã cheia de civismo na alma, cantarei o Hino Nacional todos os dias ao acordar, louvando primeiro a Deus por ter me dado esta permanência na terra por tanto tempo. Lá em Pasárgada hastearei a Bandeira do Brasil no ponto mais alto da cidade e cantarei todas as manhãs o Hino Nacional Brasileiro, e vou-me deixar ficar sentindo a brisa matutina movimentar meus cabelos e o verde do símbolo nacional pelo profundo céu azul. Lá em Pasárgada não terá bandidos fugindo da cadeia, porque lá não tem cadeia, lá em Pasárgada vou dormir na rede ao sol da tarde com as portas sem chaves, com os portões da minha casa abertos, porque não serei prisioneira dos meus medos do meu próprio semelhante. Na minha casa em Pasárgada vou deixar as janelas abertas para sentir o sol na minha casa, entrando quente pelas frestas da janela e colorindo a minha sala. Lá em Pasárgada só terei o homem que quero há mais de cinquenta anos, nos meus braços, e com meus afagos, vou acariciar os seus cabelos brancos. Lá em Pasárgada não terá eleições, não tem rede globo, não tem corrupção. Lá em Pasárgada as escolas tem professores que alfabetizam começando com as palavras: Amor, Deus, Civismo, Moral e Ética. Nenhum cidadão de Pasárgada se criará com rumos diferentes e nunca será do mal, mesmo andando soltos nas ruas. Lá em Pasárgada não tem Covid, não tem fake news, e lá deixam o presidente governar. Lá em Pasárgada tem uma rede com babados de crochê que deitarei para ver o por do sol da minha terra!
Então, diante deste Brasil que não é mais meu, vou-me embora prá Pasárgada, onde, com meu grito de liberdade, mesmo sendo um lugar inalcançável, lá estarei melhor, lá não terei solidão e nunca serei amiga do rei.
Izaura Varella – Cidadã Cianortense e às vezes, Professora e Advogada.