OCDE e o impacto nos preços de transferência e na valoração aduaneira

Por Edson Costa e Daniel Maia

Há mais de duas décadas participando como país não-membro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil vinha trabalhando de modo estratégico para ter a entrada aceita neste grupo. Finalmente, em janeiro deste ano, os 38 membros da organização decidiram convidar o país para dar início ao processo formal de ingresso. O interesse em tornar-se membro justifica-se pela relevância mundial que a OCDE representa, além de outros benefícios que podem ser alcançados, como credibilidade internacional, intercâmbio de informações, potencialização do crescimento socioeconômico, etc.

É importante mencionar que tornar-se país-membro da OCDE não traz apenas vantagens para o cidadão – um dos objetivos da organização é construir políticas de igualdade e bem-estar para a população -, mas também garante benefícios para as empresas. Atingindo esse patamar, o Brasil assume um compromisso internacional de ter uma economia aberta, previsível, responsável e transparente. E não há dúvidas de que todos esses critérios atraem novos investimentos, além de maior confiança de outros governos e das demais nações na economia local.

Desde 1998, ano da criação de um programa direcionado ao Brasil, o país visa a entrada nesta organização. Contudo, somente em 2017, o Governo Federal enviou oficialmente a carta com disponibilidade para iniciar processo de acessão. Essa iniciativa depende e necessita de um forte engajamento do governo, no intuito de desenvolver políticas eficientes que visem a melhoria de setores fundamentais para o crescimento sustentável da nação, como, por exemplo, educação, saúde, meio ambiente, governança etc.

A economia é outra área fundamental para o sucesso das negociações entre o Brasil e a OCDE. Especificamente, nesse setor, o ingresso do país representaria uma espécie de selo de qualidade que envolve critérios, como transparência fiscal e compliance. O intuito da organização com essas regras é estabelecer requisitos claros e obrigatórios aos quais os países-membros devem atender e, desse modo, evitar problemas comuns de algumas economias, como evasão fiscal e corrupção.

Atualmente, o Brasil participa ativamente das discussões do Base Erosion and Profit Shifting (BEPS, sigla em inglês para erosão da base e transferência de lucro), um projeto da OCDE cuja finalidade é padronizar e uniformizar os requisitos internacionais relacionados à tributação. É indubitável que a provável mudança dessas regras causará impactos significativos nos negócios, e as empresas brasileiras precisarão adaptar-se ao novo cenário internacional.

Dentre os diversos temas tributários a serem avaliados neste contexto, preços de transferência figura como o principal tópico a ser alinhado. Inclusive, em 2019 a OCDE em conjunto com a Receita Federal do Brasil publicou o relatório “Preços de transferência no Brasil: rumo à convergência com o padrão da OCDE. De acordo com a publicação, a OCDE concluiu que o Brasil deverá adotar a regra internacional de preços de transferência, em conformidade com as diretrizes da OCDE, em sua totalidade, desconsiderando as características atuais do modelo de preços de transferência atualmente aplicadas no Brasil. Para isso, foram apresentadas as seguintes alternativas de implementação: alinhamento imediato que contemplaria alteração das regras de preços de transferência para todos os contribuintes a partir de determinada data; alinhamento gradual que será realizado tendo como base tipos de transações ou características das empresas. Vale ressaltar que preço de transferência se refere à norma tributária que visa controlar os preços praticados por multinacionais na importação ou na exportação entre partes relacionadas.

Ressalto que, em que pese sinalização inicial no sentido de haver a possibilidade da implementação de um sistema híbrido contendo elementos das regras locais e internacionais de preço de transferência, as duas alternativas mencionadas contemplam a adoção completa das regras internacionais. Isso porque concluiu-se não ser razoável um único país-membro da OCDE adotar regras diferentes daquelas já praticadas por todos os outros.

No que tange às operações aduaneiras, com o ingresso do Brasil na OCDE, há a expectativa de redução de tributos incidentes no comércio exterior, bem como um considerável incremento no fluxo de importações e exportações, benefícios observados em países com renda per capita semelhante ao Brasil, que aderiram ao grupo. Desta forma, destaca-se que as alterações previstas nas regras de preço de transferência poderão também impactar nos critérios de valoração aduaneira, metodologia utilizada para definição da base de cálculo de tributos incidentes na importação, principalmente em operações cursadas entre importadores e exportadores vinculados, com influência no preço, sendo recomendável uma revisão minuciosa de tais critérios com o objetivo de mitigar penalidades aduaneiras.

Em suma, trata-se de um passo importante, considerando que temos o entendimento da OCDE acerca de como o tema em questão deve ser tratado mais adiante. Também foi ressaltado que a implementação mencionada é uma questão-chave a ser resolvida no âmbito tributário nacional para que o Brasil ingresse na OCDE. Desse modo, é necessário que o governo adote as políticas necessárias para que o processo avance.

Edson Costa é sócio-lider da área de preços de transferência da KPMG no Brasil e Daniel Maia é sócio-líder da área de Trade & Customs na KPMG na região Américas.