Incentivos fiscais do ICMS e o comprometimento dos lucros
Marcos Grigoleto
Visando movimentar a economia de determinada região ou área de mercado, o setor público concede contrapartidas através de incentivos fiscais como o ICMS, um tributo de competência Estadual, mas de perfil nacional. Mais conhecido pela sigla do que pelo nome, o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços pode garantir benefícios fiscais concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal através de diferentes instrumentos, como créditos presumidos ou outorgados, isenções, reduções de base de cálculo, diferimentos e até incentivos de natureza financeira-fiscal, por exemplo.
Em 2017, a publicação da Lei Complementar nº 160/17 transpareceu colocar um ponto final nas discussões acerca da natureza dos benefícios de ICMS concedidos pelos Estados e Distrito Federal. A medida provocou inúmeros impactos positivos, em empresas dos mais diversos segmentos, ao estabelecer que tais créditos teriam natureza de investimento, sendo vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstas em artigo da referida lei. Por outro lado, a caracterização dos incentivos como subvenções para investimento somente seria possível desde que os atos normativos e concessivos dos referidos benefícios fossem publicados e depositados pelos Estados e pelo Distrito Federal no Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).
Nesse contexto, a exigência de vínculos comprobatórios entre o benefício concedido e a aplicação dos recursos em ativos imobilizados, como vinha entendendo a jurisprudência administrativa recente, passaria a deixar de ser um requisito exigível. Dessa maneira, dada a interpretação de que a referida vinculação, bem como qualquer outra exigência, não será utilizada para caracterizar o incentivo de ICMS como subvenção para investimento ou para custeio, a não tributação de tais valores pelo imposto sobre a renda das pessoas jurídicas (IRPJ) e contribuição social sobre lucro líquido (CSLL) dependeria apenas da comprovação de que os valores referentes aos benefícios fiscais do ICMS de cada ano tenham sido mantidos em reserva de lucros e, não tenham sido distribuídos aos sócios. Ou seja, caso tenham sido capitalizados, estes recursos não devem ser posteriormente restituídos aos acionistas, como dispõe o artigo 30 da Lei 12.973/14.
Portanto, a partir de 2017, várias empresas passaram a revisitar o tema em busca de eventuais indébitos tributários, reavaliando todos os benefícios estaduais de ICMS computados nos últimos cinco anos desde a publicação da Lei Complementar nº 160/17. O novo padrão observado entre as companhias indicou ainda a reapuração dos tributos de IRPJ e CSLL, considerando as exclusões dos valores de incentivos fiscais estaduais do ICMS das bases de cálculo do lucro real, anual ou trimestral, registrando os valores dos créditos tributários nas demonstrações financeiras e fiscais.
Parafraseando a máxima eternizada por Tom Jobim, o Brasil não é mesmo para principiantes. Em dezembro passado, os contribuintes foram surpreendidos pelas autoridades fiscais com uma nova determinação da Receita Federal, que novamente trouxe à tona a discussão – dessa vez através da Solução de Consulta COSIT 145/2020. O órgão reformou as decisões anteriores e restringiu o escopo e aplicação do tratamento fiscal das subvenções para investimento, para os fins de cálculo do IRPJ e da CSLL, para aqueles benefícios fiscais que tenham sido concedidos como estímulos à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Isso trouxe insegurança jurídica aos contribuintes, que, mais uma vez, precisaram se adaptar ao tema para revisar suas estratégias fiscais e medidas para fins dos registros contábeis, para dizer o mínimo.
A proibição de distribuição de lucro nos termos da lei complementar n° 160/17 exige ainda mais cautela das empresas que se beneficiaram com a exclusão dos incentivos fiscais do ICMS na tributação do IRPJ e da CSLL. É preciso especial atenção ao resultado contábil futuro, que deve se manter comprometido para a constituição da conta de reserva de incentivos fiscais no patrimônio líquido, destinado aos registros de subvenções para investimentos.
Em outras palavras, caso os valores dos incentivos fiscais sejam superiores ao lucro apurado, e na hipótese de que essa tendência seja mantida, os sócios nunca serão remunerados com lucros, devendo-se observar que haverá ainda um estoque de reserva de incentivos fiscais a ser constituído em anos subsequentes. Com isso, na melhor das hipóteses, os acionistas apenas serão remunerados quando os lucros apurados superarem o valor dos incentivos fiscais concedidos pelos Governos Estaduais ou Distrito Federal.
A discussão sobre esse assunto ainda requer uma análise criteriosa, detalhada e sempre constante. Seja para fins de compliance, observando e mitigando todo e quaisquer riscos inerentes a eventuais erros durante o processo, seja para identificar a melhor estratégia para cada companhia, é fundamental manter o foco sobre esse tema, dadas as circunstâncias do sistema tributário brasileiro. Cabe lembrar que, em caso excepcionais e através de meio judiciais, as empresas podem solicitar a dispensa dos cumprimentos legais que estabelecem o controle dos saldos de incentivos fiscais estaduais em conta de patrimônio líquido, como subvenções para investimentos.
Definitivamente, não somos um país para principiantes. Nem para amadores.
*Marcos Grigoleto é sócio da área de tributos da KPMG.