Importância do blockchain para life science

* Por Leonardo Giusti e Kleber De Paulo

A área de life sciences (ciências da vida), cuja importância foi reforçada pela pandemia, enfrenta dois problemas com dados. O primeiro é a dificuldade de utilização do gigantesco volume gerado que tende a se agravar devido às normas de proteção da privacidade como a lei 13.709/2018 (LGPD) no Brasil. O segundo é a necessidade iminente de interoperabilidade entre os parceiros comerciais, do fabricante ao varejo, passando pelos distribuidores.

Acreditamos que ambas as questões, que são díspares, possam ser resolvidas, em grande parte, pelo blockchain, pois a criptografia possibilita o fluxo de dados livre e seguro. Além disso, permite que as organizações forneçam acesso de modo seletivo, respeitando a privacidade, em um mecanismo confiável e controlado. Ao mesmo tempo, a tecnologia pode impedir a cópia ou destruição de arquivos e registrar informações passíveis de serem criptograficamente atestadas como verdadeiras.

As pressões de custo, requisitos crescentes de qualidade, aumento da complexidade no ambiente regulatório e demanda por maior acesso e velocidade suscitam o desenvolvimento rápido do blockchain nas ciências da vida. Compartilhada por muitas organizações do setor, a tecnologia é a ideal para solucionar alguns dos problemas. Tem o potencial, por exemplo, de apoiar a rastreabilidade e visibilidade dos medicamentos do momento da embalagem até a entrega ou destruição. Isso permite que as partes interessadas validem a autenticidade de um produto por meio da sua identidade digital.

Especificamente, ao usar o blockchain, os medicamentos são registrados como ativos digitais no processo de serialização na fábrica. São então rastreados em toda a cadeia de suprimentos, à medida que passam por fabricantes, distribuidores, varejistas e clientes e consumidores. Informações e locais de produtos em evolução são registrados no sistema e acessados por partes autorizadas. No caso de um recall de produto, todos os itens afetados podem ser rastreados.

Com relação aos ensaios clínicos, cujos locais de realização, tamanho dos grupos de participantes e número de pesquisadores têm aumentado exponencialmente, o blockchain pode fornecer um fórum para todas as partes envolvidas gerenciarem os processos, compartilharem dados com segurança e colaborarem mutuamente, sem comprometer as informações protegidas. Não é sem razão que, nos Estados Unidos, o setor das ciências da vida esteja mobilizado em produzir subsídios consistentes para convencer a agência americana de Administração de Alimentos e Medicamentos (Food and Drug Administration) sobre a viabilidade da tecnologia para esses estudos, contribuindo para a eficácia da validação dos produtos terapêuticos testados.

Por outro lado, o setor de ciências da vida precisa realizar e validar transações além dos limites de organizações individuais. Nesse sentido, os contratos inteligentes habilitados para o blockchain usam a lógica de código imutável para automatizar a execução de ações com base em eventos autenticados. Aplicações específicas incluem a aplicação de descontos automatizados com base na posição do produto na cadeia de suprimentos, pagamentos de pesquisas clínicas e consentimento eletrônico dos processos.

Finalmente, o blockchain contribuirá para o combate aos crimes de falsificação, roubo e desvio de medicamentos, que alcançaram, em 2019, o número recorde de 4.405 casos em todo o mundo, o dobro das ocorrências registradas em 2014, segundo o Instituto de Segurança Farmacêutica.

Entendida a relevância do blockchain, cabe implementá-lo. Para isso, há quatro etapas essenciais, a seguir: começar com uma estratégia que explore o potencial de valor no modelo de negócios; desenvolver provas de conceito com falhas rápidas para áreas específicas, para diagnosticar o potencial de benefícios da ferramenta; utilizar provas de conceito para se entender as implicações da tecnologia para a organização e apresentar a visão da arquitetura necessária; e considerar plataformas digitais complementares, como dispositivos móveis, análise de dados, automação inteligente e análise cognitiva.

Cumprindo essas fases com êxito, as empresas darão um grande passo para que a utilização assertiva dos dados, em conformidade com o compliance e a ética, proporcione um novo salto de qualidade ao prioritário setor das ciências da vida.

* Leonardo Giusti é sócio-líder de infraestrutura, governo e saúde da KPMG e Kleber De Paulo é sócio-diretor de life sciences da KPMG.