E se meu jardim não florescer…

 

“Deus fez o primeiro jardim, e Caim a primeira cidade…” Abraham Cowley 1.618 a 1.667

O homem com suas mazelas interferiu, profundamente, na constância da floração do meu jardim… Uma flor aqui, outra acolá, não redime o grande pecado da chuvarada que desaba generosa pelas quadras, pelas ruas, pelos riachos, pelas descidas. Porque quando chove, as descidas são as que mais aparecem, vão derrubando penhascos, fazem rolar pedras, destroem, levam árvores centenárias para completar o desastre, e, principalmente a arte de transbordar águas aparece em sua mais legítima versão. Mas, o homem impiedoso, cria artifícios para construir desastres… E os morros desabam, impiedosamente, em busca das baixadas. E os
morros amam as baixadas… Aí as pedras descansarão e o morro não se levanta mais. E por baixo da terra e pedras do morro ficam os homens.

Mas, o homem, contrariando a natureza e a mágica da criação, sobe o morro. Lá no cume ele constrói seu casebre, talvez para olhar o mar imenso e misterioso, talvez para se sentir acima de todos e mais perto de Deus. Será mesmo que a intenção de quem sobe o morro é estar mais perto de Deus? Ou mais longe dos homens? A paisagem verde que se desdobra aos olhares daquele que subiu o morro, o conforta e o silêncio das alturas comove e inflama o coração. Se eu tivesse a certeza de que estaria mais perto de Deus faria uma excursão para alcançar o pico do Everest e no alto dos seus 8.849 metros de altura, poderia contemplar soberana, aquela nuvem escura que desabou no meu jardim, inundando vasos e descolorindo as primaveras floridas.

E as primaveras com medo das águas se submeteram à ausência de flores, tomaram o tom verde de suas folhas e lá ficaram embutidas, e pior, se esqueceram de mim. Logo eu que as cultivo, permanentemente, com meu olhar clamando pelas suas cores, logo eu que cuido com o zelo de mãe estreante cada galhinho que se põe para fora, logo eu que amo tanto esta paisagem colorida…

Porém, alguém diria: “Ingrata e desalmada, reclama da chuva que inundou o seu quintal? E se a seca fosse permanente o que faria?” Aí a resposta vem de chofre: “E o homem sem alma que se enfia por meio das várzeas dos rios em busca do ouro e a cada árvore em sua frente ele destrói e tudo o mais que se faz de obstáculo para que ele encontre a pepita da sua redenção? Ele, sim, é o grande culpado…” Este homem desalmado é capaz de mudar o plano de Deus sobre a natureza e desde então, o que sublima seu objetivo é o ouro, não o ouro da paz, mas o ouro que contamina os que mandam e fingem que não sabem de nada. Já que sua alma está seca, pouco importa que a seca acampe em todo o planeta. Pouco importa que o gelo da Antártida se derreta no calor, porque sente a falta das árvores e das águas que já escoaram; pouco importa que as águas se juntem aos grandes rios que deságuam nos mares e levantam as águas salgadas para cima, subindo pontes e entrando pelas casas sem ser convidado.

Pobre homem, pobre de espírito e por cima muito pobre de Deus!

Izaura Varella
Que já foi geógrafa…