Dez anos sem Zilda Arns, por Luiz Cláudio Romanelli

“Felizes os que têm misericórdia. Felizes os que sabem colocar-se no lugar de outro, os que têm a capacidade de abraçar, de perdoar.” – Papa Francisco

Tive o privilégio de conhecer Dra. Zilda Arns pessoalmente e as lembranças que ela desperta, em mim, são muito vívidas: sua personalidade cativante estimulava nas pessoas, o que ela própria uma vez chamou de mística fraterna de construir um mundo melhor – aquela face positiva do ser humano que faz da solidariedade um sentimento tão poderoso, capaz de unir a sociedade em torno das causas mais difíceis.

Me vêm a lembrança a sua ativa participação na Assembleia Legislativa, na aprovação da Lei estadual Antifumo em 2009. Por incrível que possa parecer nos dias de hoje, houve resistências à proposta, mas elas foram contornadas graças ao trabalho incansável da Dra. Zilda, que foi aos gabinetes conversar com cada um dos deputados que resistiam ao nosso projeto e persuadi-los da necessidade de sua aprovação. E usando um argumento tão simples quanto convincente: A sociedade avança quando cria leis que protegem a saúde, dizia ela. A lei paranaense se tornou referência e logo depois Dra: Zilda deflagrou uma grande mobilização para que o texto fosse aprovado em outros estados e também em Câmaras Municipais.

Zilda Arns, como todos sabem, tornou-se conhecida mundialmente por sua iniciativa na criação da Comissão Pastoral da Criança, vinculada q Igreja Católica. Trabalho que ela começou praticamente sozinha, em 1983, em Florestópolis. Logo apareceram resultados e em pouco tempo ela tinha o apoio de governos, das igrejas de todas as denominações  e, sobretudo, de um imenso voluntariado.

Se hoje a fome e a desnutrição não atingem mais as crianças brasileiras de forma endêmica, em grande parte isso se deve à contribuição da Dra. Zilda e da Pastoral que ela própria criou – ainda há muito a ser feito em nosso País, mas Zilda Arns apontou um atalho que salvou centenas de milhares de vidas, inclusive com soluções prosaicamente simples, como o soro caseiro, que garantiu a sobrevivência de muitas crianças e adolescentes vítimas de diarreia e outras doenças infecciosas, como já vinha fazendo em países ainda mais pobres que o Brasil.

Como médica sanitarista (graduada pela Universidade Federal do Paraná em 1959) e membro de uma família religiosa impregnada de fraternidade, Zilda Arns uniu ciência e fé para salvar vidas e tornar melhor a vida dos brasileiros. Não é exagero dizer que a Pastoral da Criança também tem um imenso crédito na extraordinária redução das taxas de mortalidade infantil verificada no País nos últimos 30 anos.

Todo este trabalho, como não poderia deixar de ser, foi reconhecido na ONU e em muitos países. Ela passou a correr o mundo ensinando suas fórmulas simples e eficazes de combater a fome e a miséria, em palestras, ações solidárias e missões humanitárias.

Sua última missão foi no Haiti, onde dona Zilda pereceu sob os escombros de um terremoto absolutamente catastrófico, que matou mais de cem mil pessoas e deixou 1,5 milhão de flagelados. Toda essa tragédia naquele que é o país mais pobre do mundo.

Zilda Arns morreu fazendo aquilo que mais amava em sua vida tão profícua e produtiva: cuidando de pessoas, ensinando como cuidar delas e, acima de tudo, fazendo renascer a esperança naqueles que já não tinham quase mais nada com que contar.

Ela nos deixou no dia 12 de janeiro de 2010. Apenas uns poucos meses antes, entre agosto e setembro do ano anterior, havíamos trabalhado de mãos dadas na aprovação da citada lei antifumo – o que tornou ainda mais difícil, para mim, absorver o duro golpe da notícia de sua morte.

Mas fica a lembrança terna do ser humano que despertava, em cada um de nós, os nossos melhores sentimentos: de amor, fraternidade e empatia com aqueles que mais precisam de nosso amparo. Referências que busco imprimir na minha vida de homem público.

Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado e vice-presidente do PSB do Paraná