Ela driblou a fome com a venda de produtos artesanais

Da customização de chinelos à roupas e acessórios para bebês, Ângela Aguiar mudou a vida da família e construiu uma nova realidade

Weslle Montanher / Tribuna de Cianorte

Ângela Aguiar, sozinha, produz mais de 80 peças por semana

Apesar de não ter sido aluna de nenhum curso profissionalizante, a história de Ângela Maria Aguiar, 48 anos, é a essência da série especial Oportunidades do Desemprego. Em 2007, grávida do segundo filho, ela precisou deixar o trabalho como costureira na indústria da confecção, em Cianorte, para cuidar do sogro, vítima de um AVC (Acidente Vascular Cerebral).

Oito meses depois, o marido e o cunhado ficaram desempregados e a família passou a enfrentar dificuldades financeiras. Com os três responsáveis pela renda familiar sem emprego, na época, Ângela buscou ajuda junto às equipes do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), na cidade.

O auxílio era bem vindo, mas ainda assim não era suficiente para atender toda a demanda da casa. Devido aos anos de prática na costura, ela teve a ideia de customizar chinelos, e assim começou a mudança de vida. Tinha dinheiro apenas para comprar três pares e acessórios. Era pouco para vender, então fiz como mostruário e comecei a vender na vizinhança, lembra.

“Passei fome, mas nunca deixei de ser otimista”, Ângela Aguiar

A partir dos três primeiros chinelos, novas encomendas surgiram, e, com elas, os pedidos por outros acessórios, como cachecóis. O dinheiro começou a entrar e as conquistas começaram a surgir. Com o orçamento  dos chinelos, eu pude reformar toda minha casa, ajudar meu marido comprar um carro, ter independência financeira, ressalta.

Weslle Montanher
Ângela trabalha em casa

Segundo Ângela, as vendas de chinelos customizados e cachecóis chegaram a render até R$ 5 mil por mês. Mais tarde, ela descobriu que estava grávida do terceiro filho, uma menina, e tampouco esperava que novas portas pudessem se abrir com a gravidez. Eu procurava tiaras e coletes para ela [filha recém-nascida] e não gostava de nada, então decide a costurar o que queria, recorda.

A ideia chamou atenção de amigas e vizinhas, e hoje ela possui, no fundo da casa, uma sala onde costura coletes, toucas, sapatos entre outras peças da moda infantil. Com isso, as vendas dos acessórios tornaram-se responsáveis por mais da metade da renda familiar. Se estou em pé hoje, foi porque encarei minhas dificuldades com otimismo. Lembro que houve noites de meus filhos reclamarem de fome, e sem ter o que por na mesa, eu falava, vamos dormir filho que a fome passa, revela emocionada.

Com o dinheiro no bolso, Ângela passou então a se profissionalizar. Comprou livros e revistas, acompanhou tutorais pela internet, já que passou a assinar uma linha do serviço- um desejo antigo. A partir disso, passou a melhorar, qualificar e inovar os produtos. “Eu sonhava em ter internet em casa, mas, tinha fazer milagre com o dinheiro auxílio. Às vezes lembro tudo que passei e sinto orgulho de mim mesma”.

Qualidade reconhecida e aprovada

Hoje, as peças criadas por Ângela estão nas vitrines de diversas lojas de Cianorte e na região. Por semana, são mais de 80 vendas, apenas por encomendas. São peças com muita qualidade, um acabamento incrível, reconhece a proprietária de uma loja de moda infantil, Valéria Lobianco, cliente de Ângela. Conforme Valéria, as peças chamam tanta atenção dos consumidores que as vendas são instantâneas. Do jeito que chega até a loja, já sai, diz.

Weslle Montanher
Na vitrine, peças produzidas por Ângela compõem looks de moda infantil

Profissionalização reduz em 30% número de assistidos pelo CRAS

“A independência financeira resgata a autoestima”, Milene Berlado Coelho, assistente social

Milene Beraldo Coelho, assistente social do Cras de Cianorte, conhece a história de Ângela desde o início e acompanhou toda ascensão dela e da família. Lembro que ela estava desempregada e nos procurou para pedir auxílio para o sogro, que estava doente. De fato era uma realidade muito triste, e a família em si passou a ser beneficiária, revela.

A assistente social recorda também que, de repente, Ângela parou de solicitar o auxílio. Foi então que ao visitar a Feira do Artesanato em Cianorte, Milene a reencontrou. Quando ela me disse tudo que havia acontecido com ela, me emocionei, afirma Milene. Para a assistente, a história de Ângela é um exemplo de que a profissionalização é capaz de transformar realidades, e pessoas.

Estatísticas do Ministério do Desenvolvimento Social mostram que, ao menos 30% de inscritos em programas de políticas públicas do CadÚnico, como Bolsa Família, suspendem o recebimento de benefícios devido à profissionalização. Números reconhecidos pela assistente social. São relatos que comovem, e nos fazem acreditar que, sim, sempre há uma saída, garante Milene. Ângela, por vez, não esconde a satisfação em poder dar a volta por cim. Eu me redescobri como pessoa, descobri meu potencial, e hoje, nada me abala, sou otimista, e só sou assim porque encarei minhas dificuldades, pontua.

Na continuação da série “Oportunidades do Desemprego”, a Tribuna traz a história do professor de filosofia que ao perder o emprego, investiu em um negócio promissor. O food truck…

Parte IV: Cianortense constrói o próprio food truck com apenas R$ 6 mil

Final: Além da técnica, capacitações buscam resgatar valores pessoais